Lisa Hartje Moura

Lisa Hartje Moura traz na sua bagagem uma forte influência cultural. A jovem designer portuguesa de descendência alemã, inicia os seus estudos em Portugal, mas é no Brasil e depois na Suíça, onde se encontra atualmente, que cresce verdadeiramente enquanto designer. Com esta experiência “fora de pé”, Lisa desenvolve um interesse em trabalhar o design gráfico de forma espacial, tendo sempre como principal premissa um conteúdo conceptual bastante forte, que perdure no tempo quando as modas as deixam de ser.

Lisa Hartje Moura brings with her a strong cultural influence. The young Portuguese designer of German descent begins her studies in Portugal, but it’s in Brazil and later in Switzerland, where she is currently living, that she truly grows as a designer. With this experience, Lisa develops an interest in working the spatial form of graphic design, always having as its main premise a very strong conceptual content that will last in time when a trend ceases to be.

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Como descreverias o teu trabalho a alguém que nunca o tivesse visto?
Do ponto de vista gráfico, é-me difícil identificar um estilo próprio no meu trabalho. Recordo-me de ter dito no começo da minha licenciatura em Design de Comunicação nas Belas-Artes de Lisboa, que aquilo que mais me atraía nessa parceria entre "design" e "comunicação" era de facto a comunicação e, curiosamente, o mesmo se aplica ao mestrado que frequento neste momento. Creio que, consciente ou inconscientemente, tento manter-me fiel a essa premissa de comunicar algo em qualquer projeto que faça, por menor que seja. Às vezes de forma óbvia, outras vezes de forma mais subtil, tento sempre contar uma história nos projetos que desenvolvo.

How would you describe your work to someone who had never seen it?
It's difficult for me to identify my own graphic style. When I started my bachelor in Communication Design at the Lisbon School of Fine Arts, I remember saying, between "design" and "communication" what attracted me the most, was, in fact, the communication component. The same applies to the Master of Arts in Spaces and Communication that I am currently attending. I believe that consciously or unconsciously, I try to stay true to this premise of communicating something in any project I do. Sometimes in an obvious way, sometimes more subtly, I always try to tell a story in the projects I create.

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Fala-nos um pouco sobre o teu percurso académico e profissional. 
Eu costumo chamar ao meu primeiro ano nas Belas-Artes de Lisboa “a melhor lavagem cerebral que alguma vez poderia ter tido”. Esta aprendizagem intensa nas Belas-Artes marcou-me profundamente enquanto designer na minha forma de abordar cada projeto como se fosse o primeiro e de explorar todas as suas possíveis facetas conceptual e formalmente. Depois de terminada a faculdade e após o estágio de um ano em Portugal, senti que deveria experimentar uma outra forma de trabalho e de pensamento.

Depois disso rumaste em direção ao Brasil, como surgiu essa oportunidade? 
A minha mudança para o Brasil foi obra de pura sorte e acaso. Surge de um anúncio da ps.2 arquitetura + design no Facebook que procurava por um designer e cuja seleção passava por mencionar “3 designers, 3 tipografias e 3 bandas de música”. Confesso que foi na verdade a parte das bandas que mais despertou a minha curiosidade. E ainda bem, porque penso que foi essa afinidade musical e, por conseguinte, de pensamento e de forma de trabalho que me fez ficar por São Paulo durante quase 3 anos. Passado esse tempo e depois de ter tido a oportunidade de trabalhar em alguns projetos tridimensionais na ps.2, senti que gostava desta possibilidade de trabalhar o design gráfico de forma espacial e por isso, neste momento, encontro-me na Suíça a terminar o meu mestrado na HEAD-Genève em Espaços e Comunicação.

Tell us something more about your academic and professional path.

I describe my first year at Lisbon School of Fine Arts as a total brainstorm. The learning curve at the Fine Arts school was very steep and marked me deeply as a designer. I feel it especially in the way I approach every project like it is the first one and how I explore all possibilities both conceptually and formally. Later on, and after a one-year training period in Portugal, I felt the urge to explore other ways to think and work.

After that you moved to Brazil, how that happened?
The move to Brazil happened purely by chance, after a job advertisement for a designer in Facebook of ps.2 arquitetura + design, where the selection process stated "3 designers, 3 typographies and 3 music bands". I must confess that I was really attracted by the music band side of the add. And I am grateful for it because in the end, I think that it was that musical affinity, and as a consequence, of thinking and work that led me to stay in São Paulo for almost 3 years. After that and following an opportunity to work in tridimensional projects with ps.2, I felt an interest in the possibility to work the spatial form of graphic design. As such, I am currently ending my master studies in Spaces and Communication at HEAD-Genève, in Switzerland.

Do ponto de vista criativo e metodológico, quais foram as maiores diferenças que encontraste entre estas três culturas? 
Julgo que o meu contacto com o design nestas três culturas foi sempre muito particular. Por ter “crescido” substancialmente enquanto designer no Brasil e na Suíça, torna difícil a minha avaliação em relação à cultura do design em Portugal. Sinto que ambas as experiências fora de Portugal não refletem aquilo que é na verdade o panorama geral das suas culturas e mais especificamente, as suas culturas em relação ao design. No Brasil, senti que muitos designers impunham a si mesmos a obrigação de produzir um “design brasileiro”, sendo que o mesmo é mais complexo do que se possa imaginar e dificilmente se define de uma só forma, mas senti uma forte procura por produzir algo que transmita para dentro e para fora o que é o design feito por brasileiros.

De onde achas que vem essa “obrigação”? 
Creio que este fervor também foi muito alimentado pelo Mundial de futebol e grande parte da pré-época dos Jogos Olímpicos. Recordo-me de na altura ter desenvolvido pelo menos 7 projetos cujo briefing do cliente era “desenvolver algo bem brasileiro”. E a tarefa tornava-se tão difícil para mim quanto para o resto da equipa, totalmente composta por brasileiros, que também não entendia exatamente o que isso significava.

What were the main differences that you found between these three cultures from the creative and methodologic points of view?
I have a very particular interpretation of my contact with graphic design in these three cultures. Because I really grew up substantially as a designer in Brazil and Switzerland, it is difficult to evaluate the design culture in Portugal. I feel that both experiences out of Portugal do not accurately reflect the local true cultural panorama and more specifically, the relationship between these cultures with the design. For example, in Brazil, I felt that many designers forced themselves to produce a "Brazilian design" even though this interpretation of design is more complex than what we can imagine and can hardly be defined in a single way. Over there, I felt a strong drive to produce something transmitting what is a design made by Brazilians.

From where does that "obligation" to produce "Brazilian design" came from?
I think that this heat was very much fed by the football Worldcup and most of the preparation for the Olympic Games. At that time I remember to have developed at least 7 projects that were briefed to "develop something deeply Brazilian". The task became really hard both for me as well as for the rest of the team, totally composed by Brazilians, that do not really understood exactly what that meant.

E quanto ao Design Suíço? 
De um modo geral, o facto da cultura do design ser tão forte e enraizada e, em grande parte, hereditária do famoso Estilo Internacional Suíço, faz com que muitas vezes os próprios Suíços reneguem essas raízes e adotem uma abordagem mais pós-pós-modernista. É uma análise um pouco redutora esta que faço do panorama Suíço atual, mas tenho vindo a aperceber-me de que a base dada pela história do design é agora uma fase que se quer ultrapassada. No mestrado que agora frequento, por exemplo, a questão do “fazer” é muito mais presente do que aquilo que se esperava nas Belas-Artes em Lisboa. Incute-se uma certa doutrina de “pensar fazendo”, o que me levou a crescer bastante em termos de vontade de experimentar novas técnicas e novos conceitos.

Tens um coup de cœur
Sinto que, neste momento, das três culturas, o Brasil é ainda aquela que me desperta mais emoções e de formas mais inesperadas. O interesse e o gosto que amigos e colegas tinham em mostrar-me verdadeiramente o que é o Brasil e a sua história artística e de design abriu-me os olhos de tal forma que ainda hoje me surpreende.

And what about the Swiss Design?
In general, the design culture is so deeply established and, in great extent, influenced by the famous International Swiss Style, leading to the fact that many times the Swiss, they deny their own roots adopting an approach much more post-post-modernist.
Ok, this analysis is a little bit reductive regarding the actual Swiss panorama, but I realise that the given design history basis is now a phase wanted to be let behind. For example, in my master studies, the question of "to do" is now much more present than what was expected during my studies in the Fine Arts School in Lisbon a few years ago. Here were are being taught to "think by doing it". This approach acted like a seed, growing an internal desire to experiment new techniques and concepts.

Do you have a "coup de coeur"?
Right now, I feel that from those three cultures, the Brazilian is still the one arousing more emotions and coming in the most unexpected ways. The interest and dedication of my colleagues and friends to show me what Brazil really is, its artistic and design history, was an eye-opener in ways that still surprise me today.

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Fala-nos sobre a tua experiência com a ps.2 arquitetura + design. 
Os meus quase 3 anos na ps.2 foram essenciais no meu desenvolvimento pessoal e profissional de formas que ainda hoje, passado 1 ano desde que saí, ainda não consigo bem quantificar. A Flávia e o Fábio foram preponderantes nesta minha, agora, certeza de que os estilos e as modas vão e vêm, mas a ideia permanece. Isto é, a força visual de um projeto afirma-se quando suportada por uma forte ideia ou conceito. 

Como no projeto When Marina Abramovic Dies por exemplo? 
Sim, o livro When Marina Abramovic Dies é exemplo disso mesmo. Esse estímulo por parte deles de pensar nessa força conceptual de cada projeto, levou-me a essa ideia simples de uma quase timeline das palavras “Vida” e “Morte” enquanto se lê o livro. Técnica e graficamente tenho noção de não ter trazido nada de novo ao mundo do design, no entanto, essa força conceptual penso que fala por si e perdura além do eventual estilo gráfico que o livro possa seguir. Outro projeto marcante em todos os sentidos foi o projeto para o Espaço Olavo Setubal – Brasiliana Itaú. Foi talvez até agora o maior projeto em que alguma vez participei e que mais me ensinou a gerir tempo, recursos, pessoas e até emoções. Julgo que o lado emocional associado a cada projeto é muitas vezes ignorado ou considerado pouco relevante, mas este enorme projeto ajudou-me a perceber o quanto um projeto consegue jogar com as minhas emoções pessoais e o quão importante é saber geri-las.

Tell us about your experience in ps2. arquitetura + design.
Those almost 3 years at ps.2 were essential in my personal and professional development in ways that, even today over one year past, I can't completely quantify. Flavia and Fabio had a major influence in the way I am now certain that styles and trends come and go, but ideas remain. That means, the visual strength of a certain project is truly set when supported by a strong idea or concept. 

Like in the project "When Marina Abramovic Dies"?
Yes, the book "When Mariana Abramovic Dies" is a good example. Through their stimulus to think the conceptual strength of each project, it took me to that simple idea of a quasi-timeline built with the words "life" and "death" when you read the book. I am aware that technically and graphically, this project didn't brought anything new, but I believe the conceptual force speaks for itself and will last independently of the graphic style of the book. Another important project was the Espaço Olavo Setubal – Brasiliana Itaú. It was possibly the biggest project I was involved in. With it, I learned how to manage time, resources, people and even emotions. I believe the emotional side of each project is sometimes ignored or considered irrelevant. This huge project really helped me understanding how a certain project can play with personal emotions and how important it is to successfully manage them.

O projeto e tese de mestrado Souvenirs of Places Never Visited, explora o poder de um objeto enquanto criador de uma identidade coletiva. Fala-nos um pouco sobre isto e a razão para a escolha desta temática. 
A escolha desta temática partiu de uma questão extremamente pessoal. Eu nasci e cresci em Portugal, no entanto, a minha mãe é alemã, pelo que tenho ambas as nacionalidades e creio que traços de ambas as culturas. Esta pequena grande diferença fez com que durante os meus 22 anos de vida em Portugal eu fosse quase sempre considerada “a alemã” e não “a portuguesa”. Curiosamente, apenas quando me mudei para o Brasil eu passei a ser, imagino que por causa da pronúncia, “a portuguesa”. Esta minha experiência pessoal, que comecei depois a perceber ser algo relativamente comum a pessoas de dupla nacionalidade, por exemplo, levou-me a pensar seriamente nestas questões de “pertença” a um lugar e a uma cultura e às estratégias visuais usadas que reforçam às vezes estes sentimentos. De tanto ser chamada “a portuguesinha” no Brasil, recordo-me de ter mudado todas as minhas fotos de perfil nas redes sociais para a foto de um Galo de Barcelos em tom de ironia. E ao aperceber-me do facto de que um símbolo de identidade coletiva passar a servir e a representar a minha própria, comecei a considerar se tal não poderia ser um indício para algo maior do que apenas a minha experiência, daí uma tese sobre o assunto. A tese foi a minha forma de averiguar a força que possuo, enquanto designer, de manipular sentimentos de identidade individual através da criação de estratégias visuais que criam/transformam identidades coletivas, das quais a bandeira é talvez o exemplo mais evidente.

O teu trabalho tem sempre uma componente fotográfica muito forte. Fala-nos um pouco sobre a tua relação com a fotografia. 
Confesso que esta vertente fotográfica nos meus projetos não é consciente ou propositada, mas tenho vindo a aperceber-me de que a fotografia é como se fosse a minha língua materna. Eu penso fotograficamente e trabalho fotograficamente e não há nada melhor do que poder exprimir-se e fazer-se entender na sua própria língua. Acho que a fotografia traduz muito bem o meu sentido de observação e até um sentido crítico em relação a tudo na minha vida. Não sou, de todo, fotógrafa profissional e nem ambiciono sê-lo, apesar de ser fascinada pela área, mas essa quase ignorância em relação à técnica permite-me uma certa liberdade e à-vontade que outros terão talvez com a ilustração ou a tipografia.

Em 2011 iniciaste o projeto Camera Obscura que te deu alguma visibilidade. 
O projeto Camera Obscura começou no final da minha licenciatura nas Belas-Artes. Na época sentia-me desapaixonada pela área e desencorajada/insegura a continuar. O projeto nasceu de forma muito natural e espontânea desta minha necessidade de restaurar um pouco a minha fé no design. O feedback foi fantástico e completamente inesperado. Aquilo que havia começado como uma “terapia” para redescobrir afinal o que é que me atraía no design e na fotografia tornou-se uma experiência social. O facto de me ter convidado para casa das pessoas através das redes sociais, fez com que recebesse imensos convites de pessoas para visitar as suas casas e as suas vistas sobre Lisboa. Foi extremamente gratificante poder retribuir com a experiência imersiva da Camera Obscura em suas casas, além da exposição que depois fiz das fotografias que tirei dessas experiências. É um projeto que guardo com especial apreço, pois foi talvez o projeto em que mais me expus e que talvez precisamente por isso, mais frutos deu pessoalmente.

E a seguir? Qual é o próximo projeto que gostarias de ver realizado a curto prazo? Portugal faz parte dos teus planos? 
Neste momento estou a concentrar-me no projeto prático final do mestrado. Essa é a minha única certeza a curto prazo. Aprendi a respeitar a espontaneidade das oportunidades e por isso tento sempre definir planos flexíveis para o futuro que permitam essa abertura ao inesperado. A longo prazo tenho alguns desejos ou até metas que gostaria de atingir, como abrir um estúdio em nome próprio ou até dar aulas na área do design. O facto de ter tido professores ou pessoas no meu percurso que me ensinaram tanto despertou-me uma vontade de retribuir ensinando também. Portugal será sempre a minha casa e o meu porto seguro, mas creio ainda ter muito para aprender além mar e além fronteiras antes de voltar. No entanto, como disse, aprendi a estar aberta às oportunidades e quem sabe retorne mais cedo do que o esperado.

Your project and master thesis "Souvenirs of Places Never Visited", explores the power of an object as the creator of a collective identity. Tell us more about it and the reason behind choosing this subject.
This subject was an extremely personal choice. I was born and raised in Portugal but my mother is German. I have both nationalities and perhaps traces and influences of both cultures. During the 22 years living in Portugal, this little big difference made me almost always considered "the German" and not "the Portuguese". Curiously, it was only when I moved to Brazil that I became "the Portuguese", possibly due to my accent. I slowly started to realise that my personal experience, also common to other people having double nationality, led me to seriously think about questions such as the "sense of belonging" to a certain place or a culture and to the visual strategies used to reinforce these feelings. For example, because in Brazil everybody called me "the Portuguese", I remember to ironically change all my social network profile pictures to a "Galo de Barcelos" (a symbol of the Portuguese culture). Realising that a symbol of collective identity was suddenly representing my own, led me to strongly consider whether it would not be a reason for something bigger than my personal experience. That was the reason for a thesis about this matter. It was the way I have found to investigate my power as a designer, to manipulate individual identity feelings through the development of visual strategies that build/transform collective identities, of which flags are probably the most obvious example.

Your work has always a strong photographic component. Tell us about your relation with photography.
I confess that this is not something intentional but I've been realising that photography is like my mother tongue. I think and work through photography and there is nothing better than being able to express yourself and make yourself understood through your own language. Photography reflects perfectly my sense of observation and even a critical sense about everything in my life. Despite my strong interest in photography, I am not and I don't pretend to be a professional photographer. That lack of technical knowledge gives me the freedom that others may feel with illustration or typography.

Back in 2011, you started a project named "Camera Obscura"  that gave you some visibility. 
The "Camera Obscura" project started when I finished my bachelor. By that time, I was dispassionate by design and discouraged/insecure to continue. This project started in a very natural and spontaneous way, out of the need to recover my faith in design. The feedback was amazing and completely unexpected. What started as a therapy, soon became a social experiment. Using the social media channels, I made myself invited to other people homes, and because of that, people actually started inviting me to visit their places and their sights of Lisbon. It was extremely gratifying to return their support not only through this deeply engaging experience at their homes but also with the later exhibition with all the photographies. This was a very special project for me since it was where I exposed myself the most and that’s probably the reason why it was personally the most fruitful.

And what’s next? Which project would you like to accomplish in the short term? Is Portugal part of your plans?
Currently, I am focused on my master's final project. That is my only short-term certainty. I learnt to respect how spontaneous an opportunity can be and therefore I always try to set flexible plans for the future. In the long term, I have some other goals like opening my own studio or even teaching in the design field. I had great teachers and people who taught me so much and I feel that I want to give something back by teaching. Portugal will always be my home and my safe place, but I still have a lot to learn abroad before I go back. However, like I said before, I am open to all opportunities and who knows, I may return sooner than expected.


Via: Lisa Hartje Moura